domingo, 28 de junho de 2009

Crônica - A vida não desiste

Numa dessas frescas manhãs de verão, quando desci para apanhar o jornal, fiel companheiro matinal, minha vista foi assaltada por o mar dourado que invadia a rua. O sol gigante amarelo nascia no horizonte. O céu se vestia de um cintilante lilás avermelhado, que pintor algum poderia reproduzir. Então tudo em volta estava dourado: ruas, árvores, casas, a igreja da Imaculada, até o negro asfalto minorou a sua brandura para sorrir com o amanhecer. Foi aí que eu a vi. Da minúscula rachadura do piso de cimento, brotou uma flor. Não tinha 10 cm, nem folhas, apenas quatro pétalas roxas.

Nesse mesmo momento nascia Janaina, na maternidade do Hospital Nossa Senhora das graças. Um quilo e seiscentas gramas. Parto natural, embora prematuro, nascera com saúde, embora miudinha, a mãe - Dona Josení - tinha bastante leite e nem uma roupa, para dar ao bebê. Na hora de preencher o formulário de baixa na maternidade o campo de endereço ficou vazio, pois a enfermeira teve muita dificuldade em assimilar o fato de que assim que tivessem alta do hospital, a pequena Janaina e sua mãe voltariam para debaixo da ponte.

A vida não desiste. Da minúscula rachadura no concreto do estacionamento brota uma flor, sem se importar se nesse mesmo dia um motorista passará com o carro por cima. Janaina nasceu no hospital, mas poderia ter sido debaixo da ponte, onde sua família espera por ela. Sem perguntar se terá um amanhã.

Entre Canoas e Porto Alegre há um conjunto de pontes, onde cruza a BR 116, o metrô e mais as avenidas locais. Milhares de veículos e pessoas transitam sobre essas pontes diariamente. A vista do Rio Gravataí é desoladora, basta ficar uma semana sem chover para o rio se tornar preto como um pinche. Já está praticamente impossível navegar de tanto lixo no leito e na superfície. Isso para não falar no mau cheiro.

A realidade supera a imaginação: aqui bem pertinho tem uma ponte, onde mora gente. Depois que conseguimos assimilar essa dose alopática, começamos a visitar a ponte. Conhecemos lá gente no mínimo interessante. Gente muito forte, que aguenta muito mais do que nós poderíamos suportar. Gente como o Cristiano, pai da Janaina, que chegou de Florianópolis, com a esposa grávida e dois filhos.

Em Florianópolis vendia milho na praia, no inverno, para não passar fome, vendia pedra. O que um pai não faz para dar de comer aos filhos? Coisas que não entendemos, ou porque não somos pais, ou porque nunca passamos fome. Como tinha muita briga de quadrilha e o medo era grande, resolveram abandonar tudo e fugir. De carona em carona chegaram a Canoas, depois de três dias no abrigo público que é o máximo que prefeitura oferece, a ponte foi a alternativa.

"Por pouco tempo ainda", diz o Cristiano, com a carrocinha que ganhou da Igreja, ta catando papel, e com a ajuda de Deus, quando Dona Joseni vier, com a Janaina para casa, eles já estarão "bem acomodados" num barraco encima do dique, porque a "vida não desiste"!


Pe. Eduardo Delazeri

sábado, 27 de junho de 2009

O texto como centro das experiências no ensino da língua

- Abertura:
. Crônica "A vida não desiste" de Pe Eduardo Delazeri
. Características da crônica/ reflexões/ comentários

- Abordagens TP1:
. O texto entendido como qualquer unidade de informação
. O texto como centro das experiências no ensino da língua
. O texto verbal e não-verbal/ o texto literário e não-literário
. A análise linguística só é significatica se apoiada em textos que contextualizam o uso do vocabulário e da morfossintaxe.
. A intertextualidade > a paródia, a parárase, o pastiche, a epígrafe, a referência, a alusão

- Oficina:
. Leitura da fotografia de Sebastião Salgado
. Apresentação do trabalho (em grupos)

A crônica - características

Gênero textual: A CRÔNICA

A crônica é um texto de caráter reflexivo e interpretativo, que parte de um assunto do cotidiano, um acontecimento banal, sem significado relevante. É um texto subjetivo, pois apresenta a perspectiva do seu autor, o tom do discurso varia entre o ligeiro e o polêmico, podendo ser irônico ou humorístico.
É um texto breve e surge sempre assinado numa página fixa do jornal.


CARACTERÍSTICAS DA CRÔNICA

Apresenta marcas de subjetividade – discurso na 1ª e 3ª pessoa;
Pode comportar diversos modos de expressão, isoladamente ou em simultâneo:
- narração;
- descrição;
- contemplação / dose de lirismo
- comentários;
- reflexão.

Linguagem com duplos sentidos / jogos de palavras / conotações;
Utiliza a ironia;
Discurso que vai do oralizante ao literário;
Predominância da função emotiva da linguagem sobre a informativa;
Vocabulário variado e expressivo de acordo com a intenção do autor;
Pontuação expressiva;
Emprego de recursos estilísticos

A temática
Aborda aspectos da vida social e quotidiana;
Transmite os contrastes do mundo em que vivemos;
Apresenta episódios reais ou fictícios.

(A crônica pode ser política, desportiva, literária, humorística, econômica, mundana, etc.)

terça-feira, 23 de junho de 2009

O ensino da norma culta na escola como fonte de equívocos

- Abertura: Música "O Caderno" - Toquinho
- Texto "Você sabe como a mente aprende?
. Leitura, reflexão, co-relação do texto com o trabalho do professor.

Abordagens TP1:
- A norma culta > o ensino da norma culta na escola como fonte de equívocos.
- A norma culta > dialeto definido por critérios socioculturais.
- O texto literário
. Leitura dramatizada pelos cursistas do texto "Caso do Vestido" de Carlos Drummond de Andrade (pag.67 a 69)
- Modalidades da lingua
. a lingua oral e a lingua escrita
. o descuido com as atividades orais na escola
- Orientação para o avançando na prática (pag.86)

terça-feira, 2 de junho de 2009

Compreender, eis a questão! - Revista Nova Escola

COMPREENDER, EIS A QUESTÃO!

Ensine a estabelecer inferência e previsão, estratégias que ajudam a entender melhor um texto
Roberta Bencini (Revista Nova Escola)
Aprender a ler não é só uma das maiores experiências da vida escolar. É uma vivência única para todo ser humano. Ao dominar a leitura abrimos a possibilidade de adquirir conhecimentos, desenvolver raciocínios, participar ativamente da vida social, alargar a visão de mundo, do outro e de si mesmo, como disse Carlos Drummond de Andrade no poema Infância. "E eu não sabia que minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé."
Faz mais de 500 anos que o gráfico alemão Johannes Guttenberg inventou a prensa manual e deu início a uma das maiores revoluções da humanidade, o acesso em massa à leitura. Ele criou a técnica da impressão provavelmente em 1453, mas só completou seu primeiro livro, a Bíblia, em 1455. No entanto, até hoje ler é um problema para muitas pessoas. Cabe à escola, em meio a tantas mudanças tecnológicas e sociais, estimular a leitura, melhorar as estratégias, principalmente de compreensão (um dos principais problemas de aprendizagem, segundo os exames de avaliação nacionais e internacionais) e oferecer muitos e variados textos. Dos caminhos a seguir, dois favorecem a intimidade dos alunos com o texto: ensinar a estabelecer previsão e inferência, estratégias que são invocadas na prática da leitura, logo no primeiro contato com o texto, e que devem ser "provocadas" conscientemente pelo professor na prática de leitura.

Se usadas com clareza, previsão e inferência exigem que o leitor acione conhecimentos prévios, como ideias, hipóteses, visão de mundo e de linguagem sobre o assunto. "A leitura é uma atividade de procura do passado de lembranças e conhecimentos do leitor. O que orienta o ato de ler é a direção, a elaboração do pensamento e sua imagem de mundo", diz Ângela Kleiman, professora do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas.

Ler é interagir

O ato de ler não se dá linearmente, como um processo contínuo, tranqüilo e sem interrupções. Ao contrário. É uma operação mental complexa marcada por tensões, porque envolve ativamente a pessoa. "Ler não é fácil, exige esforço mental e físico. E, como tudo que dá trabalho, muitas vezes tendemos a abandonar", explica Heloísa Cerri Ramos, consultora de Língua Portuguesa. "Por isso, o esforço dos professores deve ser incansável."
Quem lê está em contato com quem escreveu o texto, com as idéias de uma ou de várias pessoas. E recorre às próprias idéias para conferir o que conhece sobre um assunto, para criticar ou concordar com o autor. Portanto, a leitura só desperta interesse quando interage com o leitor, quando faz sentido e traz conceitos que se articulam com as informações que já se tem.

Na sala de aula

Uma atividade de leitura deve ser bem planejada. O professor deve pesquisar textos e se preocupar em:

• Ter um objetivo bem definido para desenvolver com os estudantes.

• Escolher textos à altura do repertório dos alunos para que o diálogo com a leitura seja produtivo, mas também outros de leitura complexa, que mediados pelo professor permitam tornar o diálogo possível.

• Ativar o conhecimento prévio dos alunos, ensinando a fazer perguntas sobre o texto, para aumentar as possibilidades de compreensão do texto.

• Fazer hipóteses e previsões sobre o texto a ser lido. E ensinar a estabelecer previsões, baseando-se no gênero, no título, no subtítulo, nas ilustrações etc.

• Favorecer a participação do aluno por meio de perguntas e situações em que ele tenha de fazer uso de estratégias que lhe facilitem a compreensão do texto.

• Articular diferentes situações de leitura — silenciosa, coletiva, oral, individual e compartilhada — e encontrar os textos mais adequados para alcançar os objetivos.

• Estimular a turma a sempre trocar idéias e discutir o que foi lido.

• Propor trabalhos em que os alunos precisem ler para seguir instruções, revisar a própria escrita, praticar a leitura em voz alta e memorizar.

Fonte: Heloisa Cerri Ramos, professora e consultora de Língua Portuguesa
Os especialistas falam

"Que ninguém se iluda: só a leitura intensa permite conhecer os múltiplos recursos da língua e usá-los com eficiência, sem a decoreba gramatiqueira"
Marcos Bagno, escritor, tradutor e professor de Lingüística da Universidade de Brasília

"Ler em si não é viver. Ler é conseguir o devido combustível de idéias para viver em sociedade. E essa conquista passa necessariamente pela objetividade do ensino e pela qualidade da escola. Isso não é uma inferência, mas um fato real ou, no mínimo, uma previsão mais do que acertada"
Ezequiel Theodoro da Silva, professor da Universidade do Contestado, SC, e da Universidade Estadual de Campinas, SP

"O domínio das estratégias de leitura decorre de uma prática viva do ato de ler, de um lado vivenciando os diferentes modos de ler existentes nas práticas sociais; de outro, respondendo aos diferentes propósitos de quem lê"
Maria José Nóbrega, mestra em Língua Portuguesa e assessora em programas de desenvolvimento profissional
Dialogar com o texto

Durante a leitura, captamos informações pela aparência (tamanho do texto ou livro), a existência ou não de fotos e ilustrações, o tamanho e sua disposição no papel. Sem falar, é claro, no título do texto e no que já sabemos sobre o autor. É o primeiro contato que faz o leitor imaginar o assunto. Quer um exemplo prático? Leia o texto abaixo:

"A liberação de neurotransmissores é um processo probabilístico. Tal liberação, chamada de exocitose, ocorreria com uma probabilidade relativamente baixa. De cada cinco impulsos nervosos chegando à vesícula sináptica de células piramidais do neocórtex, apenas um liberaria o neurotransmissor".

Deu para entender alguma coisa? Quem não conhece neurociência dificilmente vai se interessar pelo assunto, porque não conseguirá estabelecer um diálogo com o texto. Ainda assim é possível perceber algumas características: não se trata de uma história, não há ação, o texto é informativo. Ou seja, nenhum texto passa em branco para quem é letrado. Isso é inferência, uma estratégia que leva em conta os elementos (sejam eles fotos, tabelas, gráficos, desenhos, a divisão dos parágrafos do texto, o significado de uma palavra) que possibilitam tirar conclusões a partir de dados avulsos e, por isso, incompletos.

Quanto menos conhecimento o leitor tem de um assunto, mais ele se agarra à inferência. É fácil inferir que abaixo temos um poema, pois ele está organizado em estrofes.

Veja agora como é diferente a questão do diálogo com o texto quando o texto faz parte de nosso repertório de conhecimento.

Para entender o que se lê, é preciso:

• Conhecer a língua.
• Ter um objetivo.
• Ter experiências ou conhecimentos prévios sobre o assunto do texto.


O BICHO

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

O autor é Manuel Bandeira, poeta do modernismo (leia mais sobre o escritor e esse movimento artístico do século XX no quadro abaixo). Mesmo quem não conhece nada sobre ele ou o contexto em que a poesia foi produzida consegue entender a mensagem, pois o poeta utiliza ferramentas da língua para expressar sua visão de mundo. Antes de ler O Bicho, quem tem informações sobre Manuel Bandeira pode antecipar o estilo ou o tema. Ou seja, um conhecimento do assunto, do autor, antecipa a expectativa da leitura. Isso é previsão. Quanto maior o repertório de uma pessoa, quanto mais experiências de leitura tiver uma pessoa, mais previsões ela é capaz de fazer. Quanto mais sabe sobre o mundo e a linguagem, melhor ela lê. Por isso, seu papel é apresentar vários tipos de texto e imagem.

Abaixo os puristas

O modernismo foi um movimento literário e artístico nascido na Europa e que se espalhou por vários países do mundo. Chegou ao Brasil na década de 1910. Na literatura, teve início em 1922 com a Semana de Arte Moderna, que contou com a participação de Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Graça Aranha, Guilherme de Almeida e muitos outros, no Teatro Municipal de São Paulo. Os modernistas ridicularizavam o parnasianismo, movimento artístico mais importante da época (que cultivava uma poesia de notável apuro de forma), e apresentaram uma renovação na linguagem e nos formatos, marcando a ruptura definitiva com a arte tradicional. O modernismo privilegiava os temas populares brasileiros, quase sempre com humor e irreverência. As regras gramaticais nem sempre eram respeitadas, sobretudo nos textos sem pontuação e nos versos descontínuos, o que era abominado pelo parnasiano Olavo Bilac.

Paixão pela vida

Manuel Bandeira (1886-1968) é uma das figuras mais importantes da literatura brasileira. Estreou na poesia em 1917 com o livro A Cinza das Horas e, na Semana de Arte Moderna, seu poema Os Sapos foi declamado, virando um dos marcos do movimento. Certa vez definiu sua obra como um "gosto humilde de tristeza", pois seus textos biográficos são marcados pela tragédia e a tuberculose, a melancolia e a paixão pela vida. Tratou de temas como o amor, a morte e o cotidiano, aliando freqüentemente o humor e a ironia amarga. Manuel Bandeira foi também professor de Literatura e membro da Academia Brasileira de Letras.