sábado, 19 de setembro de 2009

A cigarra, a formiga e a monotonia - Danuza Leão

Coisas faladas, escritas e vividas repetem-se, previsivelmente


As pessoas nascem cigarra ou formiga, e nunca vão mudar, até o último dia de vida. As cigarras são simpáticas, alegres, adoráveis, generosas, e que ninguém pense em dividir uma conta de bar quando estão numa mesa. Nem por hipótese uma cigarra vai deixar de pagar a despesa. É mais forte que elas.
Coisa boa é viajar em companhia de uma cigarra. Além de esbanjarem em compras e presentes - régios - para os amigos, as notas de cem dólares parecem que se multiplicam em suas mãos. Elas usam e abusam dos cartões de crédito, e com tal displicência que se tem - aliás, elas têm - a impressão de que a conta nunca vai chegar. Detalhe: se você tiver esquecido a carteira no hotel, a cigarra te empresta 300 dólares, e nunca vai se lembrar de cobrar. Mas quando precisar pedir algum dinheiro a você, que sejam 100 ou 10 mil, vai se esquecer de pagar. Faz parte do personagem.
Ser cigarra na vida não tem nada a ver com ser rico ou pobre; é um estado de espírito, uma atitude, e o prazer de gastar o dinheiro - que têm ou não - até o último centavo. Como são encantadoras as cigarras! Tudo para elas é fácil; dão um pré-datado sem pensar duas vezes - aliás, nem duas nem uma - e têm essa qualidade deliciosa, que é a ausência total de preocupação. Nunca falam de dinheiro, e são convictas de que ele sempre pinta.
Não existe nada mais agradável do que conviver com as cigarras. Elas são leves, bem-humoradas, alegres, otimistas e acham que no fim tudo dá certo. Quando você entrar numa sala e quiser saber quem é cigarra e quem é formiga, basta procurar quem tem o vinco entre as sobrancelhas.
Cigarras não franzem a testa jamais. Já as formigas passam a vida pensando no futuro; se vão ter um teto para morar quando ficarem velhas, de que vão viver, e por aí vai. O grande sonho de uma formiga é o da casa própria, e uma vez o teto comprado, e integralmente pago, começa a pensar no dos outros: o dos filhos, o dos netos, o dos amigos.
Uma formiga não joga nada fora, e nem comida ela deixa no prato - não pode, com tanta gente passando fome no mundo. Mesmo tendo dinheiro no banco, nunca têm nenhum no bolso - para não cair na tentação de tomar um sorvete ou uma água de coco sem sede, só pelo prazer - como se uma formiga pudesse correr esse risco.
No restaurante, na hora de escolher, as formigas olham sempre para os preços, sugerem dividir, já que nunca estão com fome - quando estão pagando - e nunca pedem o prato mais caro. As cigarras riem das formigas: que são avaras, seguras, que dinheiro para elas é mais importante do que os afetos, as amizades, o amor - o que nem sempre é verdade. São injustas, as cigarras. Mas como já dizia La Fontaine, um dia elas precisam de ajuda. Cantaram a vida inteira, o inverno chegou rigoroso, e só têm uma pessoa para quem apelar: a formiga. Aquela de quem falaram mal a vida inteira.
Quem não viu esse filme?
Moral da história: tudo que acontece é uma tal repetição de coisas faladas, escritas e vividas, que o mundo chega a ser monótono de tão previsível.

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