sábado, 15 de agosto de 2009

Gêneros Textuais- formas concretas de participação social

Gêneros Textuais


Segundo Bakhtin, todos os textos que produzimos, orais ou escritos, apresentam um conjunto de características relativamente estáveis, tenhamos ou não consciência delas.

Gêneros são textos:
. apresentam elementos mais ou menos estáveis;
. diretamente ligados a situações sociais em que ocorrem interações pela linguagem;
. podem surgir ou desaparecer de acordo com novas necessidades sociais.


Quando estamos numa situação de interação verbal, a escolha do gênero não é completamente espontânea, pois leva em conta um conjunto de coerções dadas pela própria situação de comunicação: quem fala, sobre o que fala, com quem fala, com qual finalidade. Todos esses elementos condicionam as escolhas do locutor, que, tendo ou não consciência delas, acaba por fazer uso do gênero mais adequado aquela situação.

Por exemplo, se desejamos contar a alguém uma experiência pessoal que vivemos, podemos fazer uso de um relato pessoal; se um jornal pretende contar aos seus leitores os fatos mais importantes da política, faz uso da notícia; se um leitor está insatisfeito com a orientação de sua revista semanal, pode escrever ao editor da revista e reclamar, fazendo uso de uma carta de leitor; se desejamos fazer uma exposição oral a respeito de determinado conhecimento científico, fazemos uso do seminário ou da conferência; se desejamos transmitir a outrem nosso conhecimento sobre como preparar um prato culinário, fazemos uso da receita; e assim por diante.

Os relatos de experiências de profissionais de ensino que se propuseram a ensinar produção textual a partir do enfoque de gêneros têm demonstrado que essa abordagem não só amplia, diversifica e enriquece a capacidade dos alunos de produzir textos orais e escritos, mas também aprimora sua capacidade de recepção, isto é, de leitura/audição, compreensão e interpretação dos textos.

O ensino de produção de texto feito por essa perspectiva não despreza os tipos textuais tradicionalmente trabalhados em cursos de redação — a narração, a descrição e a dissertação.
Ao contrário, incorpora-os numa visão mais ampla, a da variedade de gêneros. Por exemplo: Quais são os gêneros narrativos? Em que gêneros a descrição — tratada aqui como recurso ou técnica — é utilizada? Qual a diferença entre dissertar e argumentar? Quais são os gêneros argumentativos?

Espiral

Até recentemente, o ensino de produção de texto (ou de redação) era feito por meio de um procedimento único e global, como se todos os tipos de texto fossem iguais e não apresentassem determinadas dificuldades e, por isso, não exigissem aprendizagens específicas.

A fórmula tradicional de ensino de redação — ainda hoje muito praticada nas escolas brasileiras —, que consiste fundamentalmente em desenvolver a trilogia narração, descrição e dissertação, tem por base uma concepção “beletrista”, voltada essencialmente para duas finalidades: a formação de escritores literários (caso o aluno se aprimore nos dois tipos de texto iniciais) e a formação de cientistas (caso o aluno se destaque na terceira modalidade).

Além disso, essa concepção guarda em si uma visão equivocada de que narrar e descrever são ações mais “fáceis” do que dissertar, ou mais adequadas a certa faixa etária, razão pela qual a dissertação tem sido reservada às séries finais — tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio —, como se narrar e descrever fossem pré-requisitos para a produção de um bom texto dissertativo.

Contrariando essa visão linear — de que só se começa um assunto novo quando se esgotou o assunto anterior, ou de que o supostamente fácil deve preceder o difícil —, o ensino de produção de texto pela perspectiva dos gêneros compreende que o resultado é mais satisfatório quando se põe o aluno, desde cedo, em contato com uma verdadeira diversidade textual, ou seja, com os diferentes gêneros textuais que circulam socialmente, inclusive aqueles que expressam opinião.

Além disso, compreende também que a aprendizagem deva se dar em espiral, isto é, que os Gêneros devam ser periodicamente retomados, aprofundados e ampliados, de acordo com a série, com o grau de maturidade dos alunos, com suas habilidades lingüísticas e com a área temática de seu interesse.

Baseados nas teorias de aprendizagem de Vigotsky, os pesquisadores de Genebra entendem que a construção de uma progressão curricular deva levar em conta a necessidade de trabalhar em espiral, em todos os níveis escolares, gêneros dos diferentes grupos. Por exemplo, em determinada série os alunos vivenciam um seqüência didática com um dos gêneros do grupo narrar; em seguida passam a outra seqüência, trabalhando com um gênero do grupo expor; depois, passam a outra seqüência, trabalhando com um gênero do grupo descrever ações; e assim por diante. Em outra etapa, inicia-se novamente o percurso, porém explorando-se gêneros diferentes dos mesmos grupos, de acordo com o grau de dificuldade dos gêneros, com a faixa etária dos alunos e com as capacidades que se pretende desenvolver.

Grupo de Genebra

Brenard Schneuwly – ao lado de Joaquim Dolz,, entre outros – é um dos expoentes do grupo que, há quase duas décadas, vem desenvolvendo na Universidade de Genebra pesquisas sobre o ensino de língua a partir de gêneros. O pesquisador explica que nossas ações linguísticas cotidianas são sempre orientadas por um conjunto de fatores que atuam no contexto situacional: quem produz o texto, qual é o interlocutor, qual é a finalidade do texto e que gênero pode ser utilizado para que a comunicação atinja plenamente seu objetivo.

Assim, no plano da linguagem, o ensino dos diversos gêneros textuais que socialmente circulam entre nós, além de ampliar sobremaneira a competência lingüística e discursiva dos alunos, dá indicações sobre as inúmeras formas de participação social que eles, como cidadãos, podem ter fazendo uso da linguagem.

O gênero a serviço da construção do sujeito e da cidadania

Schneuwly faz uma pergunta curiosa: um escritor, hoje, escreveria um poema ou um romance (na forma como os compreendemos) se esses gêneros não existissem? Transpondo essa pergunta para situações mais comuns do dia-a-dia, como uma pessoa faria para produzir um comunicado escrito dirigido a outra pessoa, caso não houvesse a carta, o bilhete, o telegrama, o e-mail e outros gêneros já criados histórica e socialmente? Dessa forma, fazemos uso dos gêneros textuais que nos foram transmitidos sócio-historicamente, o que não quer dizer que não seja possível transformar esses gêneros, ou criar outros, de acordo com as novas necessidades de interação verbal que surgem.

No plano do ensino-aprendizagem de produção de texto, equivale a dizer que o conhecimento e o domínio dos diferentes tipos de gêneros textuais, por parte do aluno, não apenas o preparam para eventuais práticas lingüísticas, mas também ampliam sua compreensão da realidade, apontando-lhe formas concretas de participação social como cidadão.
Por exemplo, ao aprender como são feitas cartas argumentativas de solicitação e de reclamação, o aluno não apenas se apropria de informações sobre o conteúdo e a estrutura desses gêneros, assim como sobre linguagem e suporte mais adequados a eles, mas também toma consciência de que os cidadãos têm o direito de reclamar seus direitos e solicitar providências das autoridades competentes.
O mesmo ocorre quando se aprende, por exemplo, a produzir gêneros como a carta do leitor, o editorial e textos argumentativos em geral, por meio dos quais o aluno toma consciência de que pode, como cidadão, manifestar seus pontos de vista, opinar e interferir nos acontecimentos do mundo concreto. Ou, ainda, no campo mais criativo e emotivo, no qual ele pode criar, com as palavras e com os gêneros, objetos de arte para diversão ou fruição estética, como o poema, o conto maravilhoso, a história em quadrinhos, a narrativa de viagens.

Agrupamento de Gêneros

Independentemente das opções didáticas da escola, os gêneros fazem parte de nossa realidade lingüística, cultural e social. Retirá-los de sua realidade concreta, transpô-los para o universo escolar e transformá-los em objetos de estudo exige observar o desenvolvimento global dos alunos em relação às suas capacidades de linguagem. Embora reconheçam os limites de qualquer tentativa de sistematizar o ensino de gêneros na escola, Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz apresentam a seguinte proposta de agrupamento de gêneros, orientado por três critérios básicos: domínio social de comunicação, capacidades de linguagem envolvidas e tipologias textuais existentes.

Aspectos Tipológicos: NARRAR – RELATAR – ARGUMENTAR – EXPOR – DESCREVER AÇÕES

Nenhum comentário:

Postar um comentário